No país dos poetas
À memória de
Sophia de Mello Breyner Andresen,
que completaria hoje 95 anos
Nos dias que correm, ler é considerado uma traição, um ato tão inútil quanto desrespeitador da ordem pública e dos bons costumes. Ler é um ultraje que ofende os mais elevados e nobres preceitos morais, que estipulam que há uma hora certa para começar a trabalhar, que há uma hora certa para acordar, que há uma hora certa para atender às imperiosas necessidades fisiológicas da nossa fraqueza humana, que há uma hora certa para comer, para beber, para urinar e defecar, e todas essas coisas que têm por força de ser feitas, que há uma hora certa para falar – e muitas mais horas certas para ficar calado –, uma hora certa para lavar os pratos ou varrer o chão, uma hora certa para sacudir tapetes e fazer a cama e lavar a roupa, uma hora certa para trazer à luz os filhos que hão de ser da pátria e do mundo mais do que nossos, uma hora certa para ouvir, uma hora certa para assistir a programas medíocres de televisão ou ao tédio bem disfarçado de um qualquer jogo de futebol, uma hora certa para acatar e aceitar e suportar e assimilar, uma hora certa para pagar, uma hora certa para dormir até à hora certa de acordar outra vez para repetir todas as laborações ditadas pela rotina diária das pessoas de bons costumes e de decência comprovada.
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